domingo, dezembro 09, 2007

NATAL



Dia de Natal
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Hoje é dia de era bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
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É dia de pensar nos outros – coitadinhos – nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poder continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.
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Comove tanta fraternidade universal,
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.
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De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem em fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
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Torna-se difícil caminhar nas preciosa ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos amigos que passam mais distante.
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Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o imenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.
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Os olhos acorrem num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.
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A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra – louvado seja o Senhor! – o que nunca tinha pensado comprar.
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Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
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Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.
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Ah!!!!!!!!!!!
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Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.
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Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.
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Que alegria
Reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá
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Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caiam
crivados de balas.
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Dia de Confraternização Universal,
dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É Dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.
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Feliz Natal
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António Gedeão

quarta-feira, novembro 21, 2007

Liberdade



Liberdade
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Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doiraSem literatura.
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O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...
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Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
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Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
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Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
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O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...
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Fernando Pessoa

sexta-feira, novembro 09, 2007

O Amor que sinto


O amor que sinto
é um labirinto.
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Nele me perdi
com o coração
cheio de ter fome
do mundo e de ti
(sabes o teu nome),
sombra necessária
de um Sol que não vejo,
onde cabe o pária,
a Revolução
e a Reforma Agrária
sonho do Alentejo.
Só assim me pinto
neste Amor que sinto.
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Amor que me fere,
chame-se mulher,
onda de veludo,
pátria mal-amada,
chame-se "amar nada"
chame-se "amar tudo".
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E porque não minto
sou um labirinto.
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José Gomes Ferreira

sábado, novembro 03, 2007

Poema


Poema
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A minha vida é o mar o Abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita
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Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará
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Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento
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A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto
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Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento
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E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada
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Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, outubro 31, 2007

Porque...


Porque
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Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
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Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
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Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
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Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
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Sophia de Mello Breyner Andersen

domingo, outubro 21, 2007

Auto-retrato



Auto-Retrato
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Poeta é certo mas de cetineta
fulgurante de mais para alguns olhos
bom artesão na arte da proveta
narciso de lombardas e repolhos.
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Cozido à portuguesa mais as carnes
suculentas da auto-importância
com toicinho e talento ambas partes
do meu caldo entornado na infância.
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Nos olhos uma folha de hortelã
que é verde como a esperança que amanhã
amanheça de vez a desventura.
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Poeta de combate disparate
palavrão de machão no escaparate
porém morrendo aos poucos de ternura.
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José Carlos Ary dos Santos

terça-feira, outubro 09, 2007

Ausência



AUSÊNCIA
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Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua
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Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.
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Sophia de Mello Breyner Andersen

segunda-feira, outubro 08, 2007

Reflexão


É mais confortável calar e ser mais um carneiro no rebanho.
Todavia, esse conforto gera uma dívida impagável para com a própria consciência.
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Gilberto Jesus

Um dia...


Um dia ...
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Um dia mortos gastos voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais
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O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há-de voltar aos nossos membros lassos
A leve rapidez dos animais
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Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala ....!
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Sophia de Mello Breyner Andresen

domingo, setembro 23, 2007

Prosa em tempo de guerra - Moçambique


MOMENTOS DE REFLEXÃO
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Três homens sentados nos bidões que guardam o combustível que fará movimentar os Unimogs prontos a transportar o pessoal para as praias da baia de Fernão Veloso, durante o mês de descanso. E todos merecem este repouso para recuperar dos dias trágicos do Vale de Miteda, onde alguns verteram o seu sangue até à morte.
Em tempo de reflexão, as ideias são mais profícuas e conduzem a observações mais consistentes sobre os efeitos da guerra nas vidas dos jovens desta geração. Estamos em véspera de mais um dia da Restauração da independência e, naturalmente, vem à baila esta anacrónica fase da história, que marca as contradições da nossa condição de colonialistas combatendo a vontade de independência destas gentes que nos são distantes!
O Simões e o Tavares são, talvez, os mais renitentes em continuar na guerra, já que se têm manifestado contra alguns sistemas de poder da hierarquia. Há cerca de dois meses que requereram a saída das fileiras. Ambos têm garantido o desempenho de funções bem mais profícuas para o país. O Simões tem emprego na metrópole e quer terminar a licenciatura; o Tavares está contratado por uma empresa de petróleos, com a garantia de um ordenado muito superior ao do tenente-coronel seu comandante de batalhão.. Fazendo parte do grupo, está o Santos, com a garantia de emprego na fábrica de cerveja Manica, na cidade da Beira. São três jovens sargentos pára-quedistas, com o futuro hipotecado nesta guerra e que já deram muito do seu saber às tropas pára-quedistas a que pertencem. Todos têm as suas próprias convicções, que defendem com um elevado conhecimento cultural e informal. Com problemas comuns, sabem farejar opiniões para um entendimento dinâmico da situação do país, como atesta o Tavares:
- Por tudo aquilo que se vê nos apoios à tropa destacada desde Macomia a Mueda, passando por Miteda, Nangololo, Negomano e Nangade, é um salve-se quem puder. O mesmo se pode dizer com os meios para evacuação dos mortos e feridos, nas picadas. Os “grandes chefes” estão-se cagando para a malta que morre sem assistência e por carência de helicópteros, e também para os que sofrem os rigores do isolamento e se amolam nas penosas caminhadas de mochila às costas, pelo meio da mata.
Esticando as pernas, o Simões atalhou:
- Quem se governa são os “monhés” que exploram o comércio com os brancos e com os pretos; e, mesmo que estes gajos venham a chegar à independência, vai ser um processo muito lento para dominarem os meios de produção e colherem os frutos da sua terra.
O Santos, mais integrado na sociedade moçambicana, reconhece que muitos brancos, seus conterrâneos (minhotos), estão a ser escravizados pelos holandeses que mandam nos colonatos e refere:
- Eu fiquei indignado quando visitei uns amigos que trabalham nos colonatos próximo de João Belo. Vivem pior dos que os pretos, sem auto estima, e poucos chegam a encarregados, porque os estrangeiros os oprimem. Então, nos ordenados, ganham menos de um quinto do que ganham os estrangeiros que vivem em palacetes com ar condicionado e cheios de mordomias, enquanto os portugueses vivem no tabique. É uma autêntica afronta à soberania portuguesa.
Do lado da baía corre uma brisa suave, enquanto o sol se estende para alem das matas lá para os lados de Nampula. Aproxima-se mais uma noite de combate aos mosquitos. Mas a conversa prossegue com o Tavares a proferir a sua breve palestra:
- Pensando bem, não chego a perceber quem é que manda em Moçambique. Pelo que se viu durante o curso de pára-quedismo civil ministrado ao engenheiro Jorge Jardim, respectiva família e amigos, o governador parece ser um “verbo de encher”; quando foi preciso um avião para os saltos, o engenheiro telefonou ao governador e logo este mandou o “seu” Dakota de Lourenço Marques para a Beira. E só foi de volta depois de todos os instruendos terem efectuado todos os saltos. O mesmo se tem passado com as obras no Batalhão da Beira – quem manda é o engenheiro Jorge Jardim!
O Simões também tem as suas dúvidas:
- Aqui em Nacala, parece que todos obedecem aos poderes de Nampula. Os poderes estão lá instalados, gozam dos oásis em tempo de guerra. As “madames” dos comandantes e da gente fina passam o tempo nas esplanadas em alegres cavaqueiras ou nas piscinas pagas pela tropa, onde mostram as finas peles dos corpos elegantes; logo ao lado, no hospital militar cheio de carências para fazer face à gravidade das situações, os militares, com os corpos estropiados e feridas marcantes para o resto da vida, sofrem por terem trilhado os caminhos e as matas do norte em nome da escumalha da sociedade.
O Tavares abanou a cabeça num gesto concordante e diz:
- Esta é mais uma situação de descarado afrontamento. Há tempos atrás tive um desentendimento com o chefe da Pide de Nampula, só porque o dito cujo entendeu que o bar do Hotel Portugal não deve servir militares que não pertençam aos aquartelamentos de Nampula. E por causa duma fulana que me acompanhava, o filho da puta desafiou-me para a pancada. Não demorou a levar com uma cadeira na pinha, e se não fosse o tenente piloto Malaquias, as coisas seriam mais graves, já que ele se preparava para usar a pistola.
São tantos os exemplos de um poder fragilizado e estratificado em diversos poderes que as cumplicidades dos mandantes se limitam a gerir as suas próprias hortas. Os políticos são uns bacocos ignorantes e amorfos, os administradores de posto uns oportunistas mergulhados na contemplação das raparigas mais vistosas. Enquanto os bens da nação estão à mercê da pilhagem, a maioria da hierarquia militar mais graduada, acomoda-se a esta forma de cumplicidades, esquecendo a tropa de quadrícula que sofre as agruras da decadência de todo o sistema que os devia proteger. Assim temos o país a afundar-se no pântano da miséria dos que vivem no torrão à beira-mar plantado.
O Tavares remata a conversa:
- Não são visíveis movimentos de mudança, porque os chefes não estão vocacionados para a reflexão; limitam-se a elaborar alguns planos de operações e a ler os relatórios. Isso é suficiente para justificar a subida nas carreiras e a exigência de melhores ordenados.

Nacala, Novembro 1966
(autor desconhecido)

quarta-feira, agosto 29, 2007

Poesia em tempo de guerra - Moçambique (V)



DESÂNIMO

Tento aliviar o desânimo que me atinge
na profundeza das lágrimas clandestinas!

quase perdido no lastro do caixão
moribundo que a vida finge
confortar num sonho mágico
que não acalenta meu coração.

Vieste participar no circo trágico
que nos atira para a engrenagem
miserável da nefasta guerra...
mas sem dares conta da miragem
os teus gritos a favor da paz
ecoarão até aos confins da terra.

Camarada Sousa que caíste
trespassado pela bala inesperada,
tal era o teu cansaço que não viste
a morte na ausência decretada!

Só limparei o desânimo se tiver
atirado com a mordaça ao inferno,
porque a memória me faz viver
e o teu corpo jaze no sono eterno.

Nangade, Março de 1966

(autor desconhecido)

segunda-feira, agosto 27, 2007

Poesia em tempo de guerra - Moçambique (IV)


CURANDEIRO

Hoje acordei sem réstia de memória!
senti uma tranquila paz
que me conforta dos dias amargos
e das ofensivas acções contra a história
deste tempo que não volta atrás
quando a pátria sofre irreversíveis estragos.

Já não sinto a saudade...
dos afagos irrequietos duma mulher
nem sequer quero ir à cidade
onde se compra o amor que se quer.

Olho para o modesto cemitério
e vejo a morte em suspenso...
os mortos ainda não estão enterrados
porque um avião de bom-senso
espera o embarque dos encaixotados.

Perante o infortúnio maldito
que se abate sobre esta geração
ouço os companheiros a desabafar
nestas manhãs tranquilas, sem um grito
e sinto os amargos no coração
tantos que nos fazem chorar!

Envolvido neste espaço da bruma
com o silêncio dos gemidos de dor
e as bocas cheias de espuma,
vamos fomentar a paz e o amor
até ao clarear de qualquer dia
que nos envolva na serena alegria.

Caminho sobre o rumo da história
que uma pátria me anuncia
quando sinto despojada a memória
dos valores que a humanidade cria.

Agora que as mentes rasgam o mapa
dos nossos encantados descobrimentos
pouco restará desta rude trapa
além das amarguras e tormentos:
mágoas nos corpos sofridos
que vão rasgando o pensamento
e as fráguas nos olhos humedecidos
tentam mudar o rumo do vento.

Já pouco espero da trágica guerra
quando dos olhos brotam lágrimas tristes
que fazem desejar o regresso à terra
na convicção de que ainda existes.
É assim que eu iludo a memória
nesta vertigem das lágrimas perdidas
com os farrapos da nossa história
vamos curando as nossas feridas.

Macomia, Abril de 1967
(autor desconhecido)

domingo, agosto 26, 2007

Poesia em tempo de guerra - Moçambique (III)


UM TERRÍVEL ABANDONO

Ouvi o rumor do vento atravessando
as savanas...
enquanto descia a noite
o silêncio dos companheiros
estremeceu o milho das machambas
regadas com o sangue vermelho
que a morte percorreu na fatídica hora!

Ninguém pode sair daqui p’ra fora!
os corpos esgotados...
abandonados na terra pardacenta
que cavámos para refúgio
das consciências tensas...
ali mesmo sente-se a morte lenta
a sugar o sangue derramado
amargurado sofrimento...

Todos perdem a própria razão
surdos ao rumor do vento!
Reprimimos a violenta respiração
e logo o dedo imprime a força
no gatilho percutor da morte.
Mais um que não teve sorte...

Sente-se uma estranha recusa
entrelaçada no vazio das ideias
que nos consomem em terra lusa!
Quero atirar fora estas peias
urdidas por escabrosos vultos
que nos querem assim matar...
joguetes de interesses ocultos
nem os mortos querem enterrar!

Napota-Nangade, 15 de Março de 1966

(autor desconhecido)

sábado, agosto 25, 2007

Poesia em tempo de guerra - Moçambique (II)


PORQUE PROTESTO

Meu companheiro de infortúnio,
Madriana exangue que te finas...
já nem encontro o teu sangue
que se escoa das veias finas.
O sol não ouve o meu apelo
depois duma noite dolorosa,
o teu corpo arrefece, pesadelo
da vida que se escapa desditosa!

As palavras presas na garganta
aumentam o perturbante silêncio,
mas o protesto contra as balas
não ajuda a conjugar a razão
porque jazem os heróis frios
em terras onde a pátria apodrece
com a degradante governação.

Horas da raiva que se desvanece
neste cenário onde o prumo esquece
o desejo de fazer o que não faço:
- bater a todas as portas e janelas
e afugentar a corja do Terreiro do Paço,
para acabarem as nossas mazelas!

Napota, Março de 1966
(autor desconhecido)

sexta-feira, agosto 24, 2007

Poesia em tempo de guerra - Moçambique (I)


CÉU NUBLADO

Olho à volta, o silêncio
Dos companheiros calados
Olhares transparentes...
Olhos molhados
Dores silenciosas e sofrimento
Tolhem o pensamento
E os sonhos consequentes.

Viagens com tragédias embarcadas
Fantasmas tranquilos
Que nos rodeiam
Nas noites sossegadas,
Sem tempo para sonhar amores,
Dedilhar os tenros mamilos
E lambiscar os seus sabores.

Nangade, Fevereiro de 1966


(autor desconhecido)

terça-feira, julho 31, 2007

Thinker


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Wise man talk because they have something to say. Full man talk because they have to say something.
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autor desconhecido

sexta-feira, julho 27, 2007

A tradição já não é o que era.....


Fotografia tirada em finais de Julho.
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Não é necessário recuarmos muito no tempo, para que imagens destas só fossem possíveis obter em Janeiro.
Já nem os bichinhos sabem a quantas andam.........

sábado, julho 21, 2007

Hipocrisia & Futilidades, Ldª.


Organizamos eventos
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Sardinhadas, jantaradas e outras comezainas, nós organizamos.
Sempre com um sorriso nos lábios, mesmo que detestemos os clientes.
Hipocrisia e futilidade são o nosso lema.
Vamos a qualquer ponto do país.
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Contacte-nos: 969 696 969 - 919 191 919 - 939 393 939
.
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(qualquer semelhança com factos da vida real é pura coincidência)

quarta-feira, julho 11, 2007

Gente estúpida, gente hipócrita


Nos barracos da cidade
Ninguém mais tem ilusão
No poder da autoridade
De tomar a decisão
.
E o poder da autoridade
Se pode, não faz questão
Mas se faz questão, não consegue
Enfrentar o tubarão
.
Ô-u-ô, u-ô
Gente estúpida
Ô-u-ô, u-ô
Gente hipócrita
.
E o governador promete,
Mas o sistema diz não
Os lucros são muito grandes,
E ninguém quer abrir mão, não
.
Mesmo uma pequena parte
Já seria a solução
Mas a usura dessa gente
Já virou um aleijão
.
Ô-u-ô, u-ô
Gente estúpida
Ô-u-ô, u-ô
Gente hipócrita
.
Ô-u-ô, u-ô
Gente estúpida
Ô-u-ô, u-ô
Gente hipócrita
.
Ô-u-ô, u-ô
Gente estúpida
Ô-u-ô, u-ô
Gente hipócrita
.
Gilberto Gil
in "Nos Barracos da Cidade

domingo, junho 24, 2007

Quadras Populares



I
É noite de Santo António
Estalam foguetes no ar;
Põe o manjerico à janela
E vem para a rua dançar
II
Minha sogra tem mau gosto
Gosta de chita amarela
Ela não gosta de mim
Gosto eu da filha dela
III
Dantes para te ver
Saltva montes e "vais"
Agora para te não ver
Salto ainda muito mais
IV
Todos nós temos defeitos
Digo isto sem ar de riso
Alguns são tortos do corpo
Outros aleijados do juízo
V
Ai minha mãe!
Tem pena de mim tem tem!
Não sei que doença tenho
Que o trabalho não me faz bem
VI
Se tu visses o que eu vi
Fugias com eu fugi
Uma cobra a tirar água
E outra a regar o jardim!

terça-feira, junho 05, 2007

Camelos?????



Esta é a resposta da população da Margem Sul do Rio Tejo, à afirmação proferida pelo sr. ministro Mário Lino, a propósito da construção do novo aeroporto, que a "margem sul do Rio Tejo era um deserto".

Efectivamente, o único "camelo" (entre aspas que é para não estar a insultar os animais) que nós conhecemos, é o sr. ministro Mário Lino.







sábado, junho 02, 2007

DHAKA PROJECT



Dhaka Project é uma ONG existente na capital do Bengladesh.
Esta ONG foi criada e é dirigida por uma portuguesa, Maria do Céu, que é comissária de bordo na Companhia Aérea do Dubai, Emirates.
A miséria extrema que ela verificou existir em Dhaka (um dos destinos da Emirates) levou-a a tomar esta iniciativa.
O seu meritório trabalho já foi reconhecido internacionalmente e por isso, vai receber no próximo dia 14, em Berlin, o prémio com que foi galardoada.
A RTP no programa "Em reportagem" da passada 4ª feira, mostrou numa reportagem de 24 minutos o trabalho que está a ser feito e as dificuldades com que a Maria se está a debater.
Para quem não teve a possibilidade de assistir ao programa e queira ver esse video, pode fazê-lo através do site da RTP www.rtp.pt . Depois de entrar no site escolhe a opção de "video", a data do programa (30-05-07) e o nome do mesmo (Em reportagem).
Para quem queira saber mais alguma coisa sobre esta ONG, e eventualmente contribuir de alguma forma para ajudar a suprir as enormes carências existentes, pode consultar vários sites disponíveis na internet, entre os quais, figuram estes:

domingo, abril 08, 2007

terça-feira, março 06, 2007

Amigos V


Ah, o consolo! O inexprimivel consolo de sentir segurança com alguém, não tendo necessidade de pensar ou medir as palavras mas deixá-las fluir, por aí fora, à medida que surgem e emergem, sabendo que uma mão amiga as vai peneirar, filtrar, e que, depois, com o sopro da bondade, fará desaparecer o que não importa.
------------------------------
Dinah Maria Mulock Craik
(1826-1887)
in "A Life for Life"

sábado, fevereiro 10, 2007

Grávida


Que a partir de amanhã todas as grávidas deste país, tenham este ar feliz.
São os meus votos.
Para isso, vou votar SIM.
Gilberto Jesus

sábado, janeiro 27, 2007

Amigos IV



Aqueles amigos especiais de quem sou tão próxima...
Interessa-me como pensam, o que sentem, como lidam com a vida...
O que dão e o que recusam.
Eles completam o círculo da minha vida e tornam-me mais rica.

Lauren Bacall

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Amigos III


Na verdade, os meus amigos fizeram a história da minha vida.
De mil e uma maneiras, tornaram privilégios as minhas limitações e deram-me a possibilidade de caminhar, serena e feliz, por entre o vale das sombras da minha privação.

Helen Keller

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Amigos II



A longa caminhada faz-se mais ligeira, alegre, a passo largo...
Tudo à volta é mais radioso, quando um amigo vai a nosso lado.

Autor desconhecido

terça-feira, janeiro 23, 2007

Amigos



Vemos, através dos olhos dos amigos, tão bem como através dos nossos.
Ouvimos mais atentamente, pensamos com maior profundidade, vamos a países nunca antes vistos.
Precisamos do seu carinho e bondade e ficamos felizes ao descobrir que eles também precisam de nós.

Charlotte Gray

Amizade


A amizade só pode ser medida em recordações, risos, paz e amor.
Stuart e Linda Macfarlane

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Xafarix





Às primeiras horas do passado domingo, dia 7, verificou-se a existência de Fanecas no Xafarix.
Devido às condições climatéricas, tudo indica que este fenómeno se irá repetir com maior frequência.
Gilberto Jesus

quinta-feira, janeiro 04, 2007

2007


Desejo a todos os visitantes deste meu Blog, um excelente ano de 2007.
(na foto: Eire Square - Galway - Irlanda - Natal de 2006)