segunda-feira, agosto 27, 2007

Poesia em tempo de guerra - Moçambique (IV)


CURANDEIRO

Hoje acordei sem réstia de memória!
senti uma tranquila paz
que me conforta dos dias amargos
e das ofensivas acções contra a história
deste tempo que não volta atrás
quando a pátria sofre irreversíveis estragos.

Já não sinto a saudade...
dos afagos irrequietos duma mulher
nem sequer quero ir à cidade
onde se compra o amor que se quer.

Olho para o modesto cemitério
e vejo a morte em suspenso...
os mortos ainda não estão enterrados
porque um avião de bom-senso
espera o embarque dos encaixotados.

Perante o infortúnio maldito
que se abate sobre esta geração
ouço os companheiros a desabafar
nestas manhãs tranquilas, sem um grito
e sinto os amargos no coração
tantos que nos fazem chorar!

Envolvido neste espaço da bruma
com o silêncio dos gemidos de dor
e as bocas cheias de espuma,
vamos fomentar a paz e o amor
até ao clarear de qualquer dia
que nos envolva na serena alegria.

Caminho sobre o rumo da história
que uma pátria me anuncia
quando sinto despojada a memória
dos valores que a humanidade cria.

Agora que as mentes rasgam o mapa
dos nossos encantados descobrimentos
pouco restará desta rude trapa
além das amarguras e tormentos:
mágoas nos corpos sofridos
que vão rasgando o pensamento
e as fráguas nos olhos humedecidos
tentam mudar o rumo do vento.

Já pouco espero da trágica guerra
quando dos olhos brotam lágrimas tristes
que fazem desejar o regresso à terra
na convicção de que ainda existes.
É assim que eu iludo a memória
nesta vertigem das lágrimas perdidas
com os farrapos da nossa história
vamos curando as nossas feridas.

Macomia, Abril de 1967
(autor desconhecido)

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