quarta-feira, agosto 29, 2007
Poesia em tempo de guerra - Moçambique (V)
DESÂNIMO
Tento aliviar o desânimo que me atinge
na profundeza das lágrimas clandestinas!
quase perdido no lastro do caixão
moribundo que a vida finge
confortar num sonho mágico
que não acalenta meu coração.
Vieste participar no circo trágico
que nos atira para a engrenagem
miserável da nefasta guerra...
mas sem dares conta da miragem
os teus gritos a favor da paz
ecoarão até aos confins da terra.
Camarada Sousa que caíste
trespassado pela bala inesperada,
tal era o teu cansaço que não viste
a morte na ausência decretada!
Só limparei o desânimo se tiver
atirado com a mordaça ao inferno,
porque a memória me faz viver
e o teu corpo jaze no sono eterno.
Nangade, Março de 1966
(autor desconhecido)
segunda-feira, agosto 27, 2007
Poesia em tempo de guerra - Moçambique (IV)
CURANDEIRO
Hoje acordei sem réstia de memória!
senti uma tranquila paz
que me conforta dos dias amargos
e das ofensivas acções contra a história
deste tempo que não volta atrás
quando a pátria sofre irreversíveis estragos.
Já não sinto a saudade...
dos afagos irrequietos duma mulher
nem sequer quero ir à cidade
onde se compra o amor que se quer.
Olho para o modesto cemitério
e vejo a morte em suspenso...
os mortos ainda não estão enterrados
porque um avião de bom-senso
espera o embarque dos encaixotados.
Perante o infortúnio maldito
que se abate sobre esta geração
ouço os companheiros a desabafar
nestas manhãs tranquilas, sem um grito
e sinto os amargos no coração
tantos que nos fazem chorar!
Envolvido neste espaço da bruma
com o silêncio dos gemidos de dor
e as bocas cheias de espuma,
vamos fomentar a paz e o amor
até ao clarear de qualquer dia
que nos envolva na serena alegria.
Caminho sobre o rumo da história
que uma pátria me anuncia
quando sinto despojada a memória
dos valores que a humanidade cria.
Agora que as mentes rasgam o mapa
dos nossos encantados descobrimentos
pouco restará desta rude trapa
além das amarguras e tormentos:
mágoas nos corpos sofridos
que vão rasgando o pensamento
e as fráguas nos olhos humedecidos
tentam mudar o rumo do vento.
Já pouco espero da trágica guerra
quando dos olhos brotam lágrimas tristes
que fazem desejar o regresso à terra
na convicção de que ainda existes.
É assim que eu iludo a memória
nesta vertigem das lágrimas perdidas
com os farrapos da nossa história
vamos curando as nossas feridas.
Macomia, Abril de 1967
Hoje acordei sem réstia de memória!
senti uma tranquila paz
que me conforta dos dias amargos
e das ofensivas acções contra a história
deste tempo que não volta atrás
quando a pátria sofre irreversíveis estragos.
Já não sinto a saudade...
dos afagos irrequietos duma mulher
nem sequer quero ir à cidade
onde se compra o amor que se quer.
Olho para o modesto cemitério
e vejo a morte em suspenso...
os mortos ainda não estão enterrados
porque um avião de bom-senso
espera o embarque dos encaixotados.
Perante o infortúnio maldito
que se abate sobre esta geração
ouço os companheiros a desabafar
nestas manhãs tranquilas, sem um grito
e sinto os amargos no coração
tantos que nos fazem chorar!
Envolvido neste espaço da bruma
com o silêncio dos gemidos de dor
e as bocas cheias de espuma,
vamos fomentar a paz e o amor
até ao clarear de qualquer dia
que nos envolva na serena alegria.
Caminho sobre o rumo da história
que uma pátria me anuncia
quando sinto despojada a memória
dos valores que a humanidade cria.
Agora que as mentes rasgam o mapa
dos nossos encantados descobrimentos
pouco restará desta rude trapa
além das amarguras e tormentos:
mágoas nos corpos sofridos
que vão rasgando o pensamento
e as fráguas nos olhos humedecidos
tentam mudar o rumo do vento.
Já pouco espero da trágica guerra
quando dos olhos brotam lágrimas tristes
que fazem desejar o regresso à terra
na convicção de que ainda existes.
É assim que eu iludo a memória
nesta vertigem das lágrimas perdidas
com os farrapos da nossa história
vamos curando as nossas feridas.
Macomia, Abril de 1967
(autor desconhecido)
domingo, agosto 26, 2007
Poesia em tempo de guerra - Moçambique (III)
UM TERRÍVEL ABANDONO
Ouvi o rumor do vento atravessando
as savanas...
enquanto descia a noite
o silêncio dos companheiros
estremeceu o milho das machambas
regadas com o sangue vermelho
que a morte percorreu na fatídica hora!
Ninguém pode sair daqui p’ra fora!
os corpos esgotados...
abandonados na terra pardacenta
que cavámos para refúgio
das consciências tensas...
ali mesmo sente-se a morte lenta
a sugar o sangue derramado
amargurado sofrimento...
Todos perdem a própria razão
surdos ao rumor do vento!
Reprimimos a violenta respiração
e logo o dedo imprime a força
no gatilho percutor da morte.
Mais um que não teve sorte...
Sente-se uma estranha recusa
entrelaçada no vazio das ideias
que nos consomem em terra lusa!
Quero atirar fora estas peias
urdidas por escabrosos vultos
que nos querem assim matar...
joguetes de interesses ocultos
nem os mortos querem enterrar!
Napota-Nangade, 15 de Março de 1966
Ouvi o rumor do vento atravessando
as savanas...
enquanto descia a noite
o silêncio dos companheiros
estremeceu o milho das machambas
regadas com o sangue vermelho
que a morte percorreu na fatídica hora!
Ninguém pode sair daqui p’ra fora!
os corpos esgotados...
abandonados na terra pardacenta
que cavámos para refúgio
das consciências tensas...
ali mesmo sente-se a morte lenta
a sugar o sangue derramado
amargurado sofrimento...
Todos perdem a própria razão
surdos ao rumor do vento!
Reprimimos a violenta respiração
e logo o dedo imprime a força
no gatilho percutor da morte.
Mais um que não teve sorte...
Sente-se uma estranha recusa
entrelaçada no vazio das ideias
que nos consomem em terra lusa!
Quero atirar fora estas peias
urdidas por escabrosos vultos
que nos querem assim matar...
joguetes de interesses ocultos
nem os mortos querem enterrar!
Napota-Nangade, 15 de Março de 1966
sábado, agosto 25, 2007
Poesia em tempo de guerra - Moçambique (II)
PORQUE PROTESTO
Meu companheiro de infortúnio,
Madriana exangue que te finas...
já nem encontro o teu sangue
que se escoa das veias finas.
O sol não ouve o meu apelo
depois duma noite dolorosa,
o teu corpo arrefece, pesadelo
da vida que se escapa desditosa!
As palavras presas na garganta
aumentam o perturbante silêncio,
mas o protesto contra as balas
não ajuda a conjugar a razão
porque jazem os heróis frios
em terras onde a pátria apodrece
com a degradante governação.
Horas da raiva que se desvanece
neste cenário onde o prumo esquece
o desejo de fazer o que não faço:
- bater a todas as portas e janelas
e afugentar a corja do Terreiro do Paço,
para acabarem as nossas mazelas!
Napota, Março de 1966
Meu companheiro de infortúnio,
Madriana exangue que te finas...
já nem encontro o teu sangue
que se escoa das veias finas.
O sol não ouve o meu apelo
depois duma noite dolorosa,
o teu corpo arrefece, pesadelo
da vida que se escapa desditosa!
As palavras presas na garganta
aumentam o perturbante silêncio,
mas o protesto contra as balas
não ajuda a conjugar a razão
porque jazem os heróis frios
em terras onde a pátria apodrece
com a degradante governação.
Horas da raiva que se desvanece
neste cenário onde o prumo esquece
o desejo de fazer o que não faço:
- bater a todas as portas e janelas
e afugentar a corja do Terreiro do Paço,
para acabarem as nossas mazelas!
Napota, Março de 1966
(autor desconhecido)
sexta-feira, agosto 24, 2007
Poesia em tempo de guerra - Moçambique (I)
CÉU NUBLADO
Olho à volta, o silêncio
Dos companheiros calados
Olhares transparentes...
Olhos molhados
Dores silenciosas e sofrimento
Tolhem o pensamento
E os sonhos consequentes.
Viagens com tragédias embarcadas
Fantasmas tranquilos
Que nos rodeiam
Nas noites sossegadas,
Sem tempo para sonhar amores,
Dedilhar os tenros mamilos
E lambiscar os seus sabores.
Nangade, Fevereiro de 1966
Olho à volta, o silêncio
Dos companheiros calados
Olhares transparentes...
Olhos molhados
Dores silenciosas e sofrimento
Tolhem o pensamento
E os sonhos consequentes.
Viagens com tragédias embarcadas
Fantasmas tranquilos
Que nos rodeiam
Nas noites sossegadas,
Sem tempo para sonhar amores,
Dedilhar os tenros mamilos
E lambiscar os seus sabores.
Nangade, Fevereiro de 1966
(autor desconhecido)
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