quarta-feira, outubro 31, 2007

Porque...


Porque
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Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
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Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
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Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
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Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
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Sophia de Mello Breyner Andersen

domingo, outubro 21, 2007

Auto-retrato



Auto-Retrato
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Poeta é certo mas de cetineta
fulgurante de mais para alguns olhos
bom artesão na arte da proveta
narciso de lombardas e repolhos.
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Cozido à portuguesa mais as carnes
suculentas da auto-importância
com toicinho e talento ambas partes
do meu caldo entornado na infância.
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Nos olhos uma folha de hortelã
que é verde como a esperança que amanhã
amanheça de vez a desventura.
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Poeta de combate disparate
palavrão de machão no escaparate
porém morrendo aos poucos de ternura.
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José Carlos Ary dos Santos

terça-feira, outubro 09, 2007

Ausência



AUSÊNCIA
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Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua
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Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.
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Sophia de Mello Breyner Andersen

segunda-feira, outubro 08, 2007

Reflexão


É mais confortável calar e ser mais um carneiro no rebanho.
Todavia, esse conforto gera uma dívida impagável para com a própria consciência.
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Gilberto Jesus

Um dia...


Um dia ...
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Um dia mortos gastos voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais
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O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há-de voltar aos nossos membros lassos
A leve rapidez dos animais
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Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala ....!
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Sophia de Mello Breyner Andresen